No dia em que o matariam, Santiago Nasar levantou-se as 5 e 30 da
manhã.
Assim
começa Crônica de Morte Anunciada, do
colombiano Gabriel García Márquez: revelando ao leitor que o personagem
principal morrerá. De certa forma, o leitor torna-se cúmplice de uma morte
premeditada, assim como a maioria dos moradores de um pequeno povoado, onde se
passa a história.
Crônica de uma morte anunciada é
diferente de outros livros de García Márquez, Nobel de Literatura. Sua obra
máxima, Cem Anos de Solidão, é
conhecida pela leitura pesada e que desafia o leitor a superar o peso de uma
história longa e marcada pelo realismo fantástico. Mas a Crônica foge a regra: uma narrativa objetiva e envolvente como uma
grande reportagem. O narrador age como um verdadeiro jornalista na busca de
reconstrução dos fatos que levaram a morte de Santiago Nasar, um jovem de
origem árabe que vivia em um lugarejo na Colômbia.
Nasar
era um jovem comum e querido pelas pessoas a sua volta, conhecido por uma
personalidade pacata e reservada. Entre seus amigos havia dois irmãos, Pedro e
Pablo Vicário, cuja irmã mais nova Ângela, estava prometida para um forasteiro
rico que se estabelecera no povoado, Bayardo San Román. O curioso é que este
personagem é filho de um general presente em Cem Anos de Solidão (assim como
Erico Verissimo, García Márquez insere detalhes de outras obras de sua
autoria).
O
fatal assassinato acontece após o casamento de Ângela e San Román: após a
festa, os noivos vão para casa, onde San Román descobre que a noiva já havia
sido “desonrada”. Furioso a devolve para a casa dos pais, na mesma noite.
Depois de castigada, Ângela é obrigada a contar quem a “desonrou”. A moça,
cansada e afetada pela surra que levou do pai declara sem pensar duas vezes:
Fora Santiago Nasar. Os irmãos, Pedro e Pablo juram vingar a honra da irmã e
saem armados para encontra-lo.
O
narrador então tenta reconstruir todo o trajeto dos Vicário durante a madrugada
que precedeu o crime: Em cada lugar que passavam e cada pessoa que encontravam,
os irmãos deixavam clara a intenção de matar Santiago Nasar. Este é o pretexto
para o título do livro: uma morte premeditada. A grande questão é: por que,
mesmo com o povoado inteiro sabendo, ninguém foi capaz de impedir o trágico
destino de Santiago Nasar? O próprio leitor, em algum momento, pode se ver
“alertando” o jovem Santiago: “não vá por aí!”, “ouça o que ele disse!”, “não
saia de casa!”. Mas nada adianta, pois o destino já está traçado e a morte,
premeditada.
Talvez
seja isto o projeto por trás de Crônica
de uma morte anunciada: García Márquez traz à tona a complexa e
indecifrável ligação entre o homem e seu destino. Até mesmo a personalidade de
Nasar, extremamente reservado e de atitudes solitárias, contribuíam para que
ele escolhesse caminhos, movimentos e atitudes que poderiam ser impedidas até o
último instante, mas que o levaram por um caminho cujo destino era a morte.
E
depois da morte de Nasar, o que teria acontecido a todos os envolvidos? O que
passava na cabeça dos assassinos, depois de tantos anos? O que aconteceu com
San Román, o noivo enganado? Mas o que mais levanta dúvidas é: Seria Santiago
Nasar realmente a pessoa culpada por desonrar Ângela? Assim é Crônica de uma morte anunciada, uma
mistura de narrativa policial com reportagem jornalística, uma história movida
de perguntas que não necessariamente levam a uma verdade absoluta. Afinal, a
vida é complexa demais para desvendarmos os mistérios por trás dos nossos
destinos.
Davi S. Pereira
Acadêmico de Jornalismo