quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Papo Literário: Crônica de uma morte anunciada



No dia em que o matariam, Santiago Nasar levantou-se as 5 e 30 da manhã.
                Assim começa Crônica de Morte Anunciada, do colombiano Gabriel García Márquez: revelando ao leitor que o personagem principal morrerá. De certa forma, o leitor torna-se cúmplice de uma morte premeditada, assim como a maioria dos moradores de um pequeno povoado, onde se passa a história.
                Crônica de uma morte anunciada é diferente de outros livros de García Márquez, Nobel de Literatura. Sua obra máxima, Cem Anos de Solidão, é conhecida pela leitura pesada e que desafia o leitor a superar o peso de uma história longa e marcada pelo realismo fantástico. Mas a Crônica foge a regra: uma narrativa objetiva e envolvente como uma grande reportagem. O narrador age como um verdadeiro jornalista na busca de reconstrução dos fatos que levaram a morte de Santiago Nasar, um jovem de origem árabe que vivia em um lugarejo na Colômbia.
                Nasar era um jovem comum e querido pelas pessoas a sua volta, conhecido por uma personalidade pacata e reservada. Entre seus amigos havia dois irmãos, Pedro e Pablo Vicário, cuja irmã mais nova Ângela, estava prometida para um forasteiro rico que se estabelecera no povoado, Bayardo San Román. O curioso é que este personagem é filho de um general presente em Cem Anos de Solidão (assim como Erico Verissimo, García Márquez insere detalhes de outras obras de sua autoria).
                O fatal assassinato acontece após o casamento de Ângela e San Román: após a festa, os noivos vão para casa, onde San Román descobre que a noiva já havia sido “desonrada”. Furioso a devolve para a casa dos pais, na mesma noite. Depois de castigada, Ângela é obrigada a contar quem a “desonrou”. A moça, cansada e afetada pela surra que levou do pai declara sem pensar duas vezes: Fora Santiago Nasar. Os irmãos, Pedro e Pablo juram vingar a honra da irmã e saem armados para encontra-lo.
                O narrador então tenta reconstruir todo o trajeto dos Vicário durante a madrugada que precedeu o crime: Em cada lugar que passavam e cada pessoa que encontravam, os irmãos deixavam clara a intenção de matar Santiago Nasar. Este é o pretexto para o título do livro: uma morte premeditada. A grande questão é: por que, mesmo com o povoado inteiro sabendo, ninguém foi capaz de impedir o trágico destino de Santiago Nasar? O próprio leitor, em algum momento, pode se ver “alertando” o jovem Santiago: “não vá por aí!”, “ouça o que ele disse!”, “não saia de casa!”. Mas nada adianta, pois o destino já está traçado e a morte, premeditada.
                Talvez seja isto o projeto por trás de Crônica de uma morte anunciada: García Márquez traz à tona a complexa e indecifrável ligação entre o homem e seu destino. Até mesmo a personalidade de Nasar, extremamente reservado e de atitudes solitárias, contribuíam para que ele escolhesse caminhos, movimentos e atitudes que poderiam ser impedidas até o último instante, mas que o levaram por um caminho cujo destino era a morte.
                E depois da morte de Nasar, o que teria acontecido a todos os envolvidos? O que passava na cabeça dos assassinos, depois de tantos anos? O que aconteceu com San Román, o noivo enganado? Mas o que mais levanta dúvidas é: Seria Santiago Nasar realmente a pessoa culpada por desonrar Ângela? Assim é Crônica de uma morte anunciada, uma mistura de narrativa policial com reportagem jornalística, uma história movida de perguntas que não necessariamente levam a uma verdade absoluta. Afinal, a vida é complexa demais para desvendarmos os mistérios por trás dos nossos destinos.





Davi S. Pereira
Acadêmico de Jornalismo