Os vencedores
Letras de música, como
poesias, têm a função de traduzir a vida. A grosso modo, é isso. Pegue a Legião
Urbana e disseque-a: lá está um pouco de tudo que sentimos, com maior ou menor
intensidade, precisão e lirismo inigualáveis. Quando Renato Russo morreu,
pensei que nenhum letrista do rock jamais me comoveria e que tudo, para todo o
sempre, se resumiria ao barulho. Anos mais tarde, descobri Los Hermanos. Embora
diferente, a banda viria a ser minha nova Legião. Continua sendo.
Neste
momento, é importante que você esqueça “Ana Júlia”!
Los
Hermanos foi bem além disso em seus quatro discos, do primeiro, barulhento,
juvenil e de coração rasgado, ao último, dolorosamente maduro, assustadoramente
belo. Entre um e outro, sobejam versos de amores e outros devaneios.
Uns
anos atrás, quando conheci a fundo Los Hermanos, o infortúnio de uma paixão
malograda me fez cantar a plenos pulmões:
“Tira esse azedume do meu
peito
E, com respeito, trate minha dor;
Se, hoje, sem você, eu sofro tanto,
Tens, no meu pranto, a certeza de um amor”.
E, com respeito, trate minha dor;
Se, hoje, sem você, eu sofro tanto,
Tens, no meu pranto, a certeza de um amor”.
(Azedume, do álbum Los
Hermanos)
Era
perfeito para o que eu sentia. Precisão cirúrgica. Assim como em outra música,
hino para um adolescente que se sentia inadequado nesse mundo cão:
“Olha só, que cara estranho
que chegou
Parece não achar lugar
No corpo em que Deus lhe encarnou
Tropeça a cada quarteirão
Não mede a força que já tem
Exibe à frente o coração
Que não divide com ninguém”
Parece não achar lugar
No corpo em que Deus lhe encarnou
Tropeça a cada quarteirão
Não mede a força que já tem
Exibe à frente o coração
Que não divide com ninguém”
(Cara Estranho, do álbum Ventura)
E
depois e sempre, o mesmo questionamento:
“E se eu fosse o primeiro a
voltar
Pra mudar o que eu fiz,
Quem então agora eu seria?”
(O Velho e o Moço, também do Ventura)
Pra mudar o que eu fiz,
Quem então agora eu seria?”
(O Velho e o Moço, também do Ventura)
Mas
talvez a maior de todas as colaborações da banda no quesito “tradução da vida”
seja uma música sobre quem já não quer mais ser um vencedor, aquele vencedor da
televisão, “que vence a luta sem suar e ganha aplausos sem querer”:
”Olha lá, quem vem do lado oposto
Vem sem gosto de viver
Olha lá, que os bravos são
Escravos sãos e salvos de sofrer
Olha lá, quem acha que perder
É ser menor na vida
Olha lá, quem sempre quer vitória
E perde a glória de chorar
Eu que já não quero mais ser um vencedor
Levo a vida devagar pra não faltar amor”
(O Vencedor, mais uma do Ventura)
”Olha lá, quem vem do lado oposto
Vem sem gosto de viver
Olha lá, que os bravos são
Escravos sãos e salvos de sofrer
Olha lá, quem acha que perder
É ser menor na vida
Olha lá, quem sempre quer vitória
E perde a glória de chorar
Eu que já não quero mais ser um vencedor
Levo a vida devagar pra não faltar amor”
(O Vencedor, mais uma do Ventura)
É por essas e muitas outras que eu
gostaria de estar neste fim de semana em Porto Alegre, onde Los Hermanos, que
já não estão mais juntos, fazem dois shows especiais, ingressos esgotados,
comemorativos aos 15 anos de carreira. Mas eu não estarei lá, junto aos
verdadeiros vencedores.