Incidentes,
geralmente, são inesperados e impactam nossas vidas.
Tomados de surpresa,
reavaliamos nossas ações e conceitos, nem que seja por um instante. Agora, já
imaginou se um morto ressuscitasse e contasse os segredos mais sujos de sua
vida em praça pública? Seria o pior Apocalipse Zumbi que você poderia
presenciar, não é verdade?
As
chances de acontecer uma situação tão absurda são mínimas (não posso dizer
nula, em respeito aos que esperam o fim do mundo), mas não é impossível para a
Literatura. No livro Incidente em Antares,
o escritor Erico Verissimo explora o Realismo Fantástico para narrar a história
de sete mortos insepultos que levantam de seus caixões para atormentar a visão,
o olfato e, principalmente, a consciência social de uma cidadezinha fictícia do
interior gaúcho.
No
último livro de Erico Verissimo (escrito em 1971), o escritor cruz-altense faz
uma crítica não simplesmente à situação política da época (Ditadura Militar),
mas à sociedade gaúcha e brasileira, refletindo sobre as condições que levaram
ao Golpe Militar de 1968. No centro de tudo, Antares, pacata cidade de
fronteira, com uma história sangrenta, marcada pela rivalidade entre duas
facções: as famílias Vacariano e Campolargo. Em meio a esse conflito, o autor
une contexto histórico e ficção, uma habilidade demonstrada em outras obras,
como O Tempo e o Vento.
O
“incidente” acontece no dia 13 de dezembro de 1963. A “ameaça comunista” une as
duas famílias rivais contra o operariado da cidade. Em busca de melhores
condições de trabalho, empregados das fábricas declaram Greve Geral. Os demais
trabalhadores da cidade se unem à causa e a cidade para, incluindo os coveiros
do cemitério, que impedem o sepultamento de sete pessoas. Sem poder descansar
em paz, os mortos entram na cidade exigindo o sepultamento, caso contrário,
apodreceriam em praça pública.
O
espetáculo que se segue é o pior pesadelo possível: os defuntos juntam o povo
para denunciar a sujeira, os jogos políticos, a corrupção e a hipocrisia da
sociedade de Antares, um verdadeiro tratamento de choque para os moradores. Em
tempos de movimentações sociais, Incidente
em Antares continua como um livro atualizado, que dialoga com nossa época.
Mas, depois de uma experiência sobrenatural tão intensa, o que aconteceu com
Antares? A sociedade revisou seus conceitos? Os corruptos caíram do poder? As
reivindicações dos operários foram atendidas? Afinal, o que Erico Verissimo tem
a nos dizer sobre movimentos sociais?
Eu
adoraria responder essas perguntas, mas estragaria a grande surpresa. Uma
leitura leve, divertida e, ao mesmo tempo, perturbadora! Leiam!
Davi S. Pereira
Acadêmico de Jornalismo – Universidade
de Cruz Alta
davipereira1993@gmail.com